O nascimento de Jesus nos convida a renovar a esperança, buscar justiça, viver como peregrinos da paz e preparar o coração para compreender plenamente o mistério da sua ressurreição e sua presença transformadora em nossas vidas.
Todos e todas, irmãos e irmãs, o nascimento de um príncipe é algo grande para um povo. Grande é o nascimento de uma liderança que traz esperança ao coração do povo. Mais ainda, esse nascimento inspira justiça, verdade, proteção. Ele é luz para o povo que sofre nas trevas deste mundo. Escutamos isso do profeta Isaías, da primeira leitura. Aquele que nasce é luz para o povo que vive nas trevas do mundo. Assim, o profeta Isaías animava o povo a esperançar, a desejar ver o príncipe da paz. Isso é o contrário de buscar o príncipe da guerra, o príncipe da discórdia, que nos impõe medo e nos destrói a vida. O príncipe da paz é o oposto: ele é servidor de todos, perdoa a todos e salva todos os que o buscam de coração sincero. Esse é o nosso Senhor.
Daí a razão pela qual o salmista hoje nos animava dizendo o seguinte: “Cantai ao Senhor um canto novo!”. Cantai ao Senhor um canto novo! O modo antigo de viver, meus irmãos, não tem sentido e nem dá sentido à nossa vida. A pandemia nos levou 700.000 irmãos só no Brasil. Arrasou vidas, destruiu sonhos. Depois da pandemia, teria sentido viver dividindo ainda mais a humanidade? Separando as famílias e os irmãos? Teria sentido viver consumindo, sem nos importar com os que passam fome, pertinho de nós? Cantemos ao Senhor da vida um canto novo, um canto de confiança, de arrependimento, um canto de alegria que nasce de um coração arrependido. Os cânticos antigos que destroem a casa comum, que destroem as pessoas e as relações, podem nos fazer perder a vida eterna junto de Deus e dos seus santos, que pedem por nós. Um canto hoje jamais cantado por nossos lábios de pecadores, o Senhor merece escutar.
Ele tomou a iniciativa e veio morar entre nós. Perguntemos: quem, dotado de poderes, riquezas e honras deste mundo, se despojou de si mesmo para viver com os pobres, como os pobres e pelos pobres? Quem você conhece que fez isso? Não é só se despojar dos bens, é se despojar de si mesmo. Quem conhecemos que fez isso de forma livre e completa? A maioria de nós, meus irmãos, quando estamos perdendo, seja o que for, nós nos fechamos ou nos tornamos violentos com os demais porque temos medo de perder. Porém, vejam os santos, o nosso São José de Anchieta, na casa de quem estamos. Ele deixou sua brilhante carreira porque era um menino inteligentíssimo. Ele poderia ter trilhado as maiores universidades do mundo. Ele poderia ter se esquivado até mesmo atrás da doença que o afligia. Poderia ter dito: “Eu não posso, sou doente”. Ou até mesmo ter desistido de servir ao Rei da Paz. Mas, pelo contrário, ele colocou todos os seus dons a serviço dos mais pobres e necessitados, como rezamos o ano inteiro na oração a São José de Anchieta.
Colocou todos os seus dons a serviço dos mais pobres e necessitados. Ó São José de Anchieta, que fez como Cristo, como seu Senhor, você se fez companheiro de Jesus. Seguindo a Cristo, nós vamos celebrar este Natal, celebrar o nosso nascimento para a vida eterna, o nosso batismo, como foi mencionado no ato penitencial, quando a água aspergida sobre cada um de nós trouxe a alegria de sermos batizados. Escutamos que um sinal que os pastores veriam, segundo os anjos, seria um menino deitado e envolto em faixas. É o mesmo homem morto, envolto em faixas, do mesmo linho em que foi sepultado. O mesmo envolto em faixas, Jesus é Deus presente. Não para alguns privilegiados e puros – esses não precisam de Jesus –, mas sim para o filho de Deus que manifestou a graça de Deus, como vimos na Carta de Tito, na segunda leitura. Ele revelou Deus para o mundo. Ele nos falava do Pai com tanto carinho.
O que quer dizer São Paulo, quando escreve a Tito, dizendo que Jesus manifestou a graça de Deus ao mundo? Queridos irmãos e irmãs, a ressurreição de Jesus iluminou toda a face da Terra. Aquele que existia desde toda a eternidade e que nasceu entre nós, entregou a sua vida, fez a sua Páscoa, ressuscitou para salvar todo o gênero humano, todas as pessoas. Se cremos nisso, somos verdadeiramente filhos de Deus. Somos verdadeiramente filhos de Deus. O Natal de Jesus, o seu Natal, é incompreendido se eu não celebro o Tríduo Pascal, isto é, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado Santo. Se eu não celebro essa festa, eu não entendo o Natal de Jesus. Por isso, a necessidade que tem o nosso coração de participar da festa do Tríduo de preparação para a Páscoa do Senhor. Pois, se não, eu não saberei o que celebrarei no Domingo de Páscoa. Eu não saberei o que serão as solenidades do ano litúrgico: solenidade de Nossa Senhora da Assunção, solenidade da Imaculada, solenidade de São José de Anchieta. Se eu não participo do Tríduo Pascal, se eu não vejo a vela da minha comunidade ser acesa, de onde emanou fogo para todas as colunas da igreja e para acender as demais velas do santuário, eu não compreenderei a primazia da Páscoa do Senhor. Ela ilumina aquele que ressuscitou, aquele que Lucas vai dizer: “É aquele que nasceu na manjedoura, pobre, pequeno”. Eu preciso participar da Páscoa do Senhor para entender a liturgia e a celebração do Natal do Senhor. Do mesmo modo, a festa dos santos e, menos ainda, corro o risco de não entender os sacramentos da Igreja, de não entender o meu batismo, não entender a minha crisma, não entender a comunhão, de relativizar o matrimônio, de participar de uma missa sem entender a Eucaristia.
Para que isso aconteça no nosso coração, temos que hoje assinar um pacto, dizer: “Senhor, eu quero participar do Tríduo Pascal, a festa máxima da nossa fé, e dela decorrem todas as demais festas”. Por isso, o menino envolto em faixas, como o anjo disse aos pastores: “Vocês o encontrarão”. Depois, esses mesmos homens e mulheres encontraram um homem envolto em faixas, sendo colocado no túmulo, e que ressuscitou. Colocado numa manjedoura, uma manjedoura feita de madeira, onde se colocava comida, tanto em casa – o manjar, os bolos, os pães, as coisas que se faziam –, porque Jesus é o pão da vida. Ele se fez pão para nos alimentar. Ele continua cuidando de nós. Esse é o nosso Senhor.
São muitos os homens e mulheres que não abrem o coração, o presépio, para Jesus nascer, mas Jesus continua insistindo. Ele manda os pobres para baterem em nossas portas, cobrando-nos justiça e exigindo seus direitos de filhos de Deus. Se os pobres são filhos, são herdeiros tanto dos bens deste mundo, criados para todos, quanto do Reino eterno junto à Santíssima Trindade. Vocês são filhos, são herdeiros. Eles batem em nossa porta como sinal de Jesus, exigindo justiça e exigindo seu direito de filhos de Deus. Isso é muito sério. Isso é Natal.
Assim, irmãos e irmãs, hoje contemplamos o nascimento de Jesus e o anúncio aos pastores. Ó pastores! O papa, os bispos, os padres, os diáconos. Ó papai! Ó mamãe! Ó lideranças políticas e comunitárias! Ouçam o Senhor que chora nos pequenos. Se a palavra “pastor” era atribuída ao rei, porque ele tinha a missão de cuidar de todos, devemos ter presente que não podemos nos deixar distrair e iludir por pastores que estão mais preocupados em matar do que dar vida. Esses iludem e nos arrancam a verdadeira felicidade. Falsos pastores, meus irmãos, são aqueles que olham os outros como quem está na artilharia, como quem quer matar o outro como inimigo. Esses são os falsos. Já os verdadeiros arriscam a própria vida para salvar as ovelhas mais famintas e descartadas.
Eu louvo e agradeço a Deus pelo meu companheiro jesuíta, o Papa Francisco. Aos 88 anos, com um único pulmão e joelhos sofrendo dores constantes, ele segue firme. Somos da religião que valoriza o idoso. Valorizamos a experiência de vida, mas tem que ser um idoso bom, um idoso como o Papa Francisco, que tem gosto de algodão doce, que mela os dedos. Nosso Senhor não nos quer idosos amargos e reclamões, porque, se não, não teremos entendido o Natal do Senhor. Então, aí está o cuidado que somos chamados a realizar. Esses pastores, não é? Eles não estavam esperando príncipes e nem as elites de Jerusalém. Estes nem tiveram a oportunidade de educação de qualidade e, por não saberem, por vezes cometerem erros linguísticos, são rotulados de analfabetos. Os pobres e pequenos são rotulados assim.
Cuidemos em nos examinar. O check-up, meu irmão, minha irmã, deve ser o check-up do meu querer, da minha vontade e da minha inteligência. Isso compõe a minha alma: querer, vontade e inteligência. O que mais quero? O que mais desejo? Como uso a inteligência que Deus me deu? Seja uma inteligência prática, uma inteligência teórica, não importa. Graças a Deus que alguém nos ajudou a entender que existem inteligências múltiplas a respeitar e acolher as multiformes maneiras de Deus expressar o seu dom em cada um de nós. Esse deve ser o check-up que precisamos nos preocupar em fazer. Se a consciência é a voz de Deus, como dizia um santo jesuíta, São Cláudio, deixemo-nos guiar pela voz d’Ele, que hoje chega ao coração por meio de tantos mensageiros da paz.
Que o Natal do Senhor nos ilumine verdadeiramente, fazendo de cada um de nós peregrinos de esperança. Peregrinos de esperança. Corremos o risco de dizer “da esperança”, mas qual? Quando digo “de esperança”, é porque tenho esperança de justiça, esperança do fim do racismo, esperança do fim do desemprego, esperança do fim do abandono de idosos e crianças. Essa esperança vai me alimentar enquanto eu respirar, enquanto meus olhos se abrirem. Essa experiência, essa esperança ou várias esperanças, têm que gritar dentro de mim pela alegria que temos da ressurreição de Jesus. Celebremos, a partir da ressurreição, o seu nascimento entre nós. Que Nossa Senhora, aquela que acolheu Jesus na sua vida, na sua missão, no seu ser, no seu corpo, nos coloque hoje e sempre junto ao seu amado Filho.
Padre Álvaro Negromonte, Sj – Reitor do Santuário Nacional de São José de Anchieta